terça-feira, 19 de abril de 2016

José de Sousa Saramago - O mercado pode tornar-se uma ditadura, um breve ensaio sobre a cegueira

Astor Piazzolla - Leonora's Love Theme
Album: The rough dancer and the cyclical night (New York, 1987).
Con Fernando Suárez Paz en violín, Pablo Zinger en piano, Paquito D'Rivera (!) en saxo y clarinete, Andy González en contrabajo y Rodolfo Alchourrón en guitarra eléctrica.
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"A democracia em que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada..."

José de Sousa Saramago 
[Golegã, Azinhaga, 16 de novembro de 1922 — Tías, Lanzarote, 18 de junho de 2010] foi um escritor português.
Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou, em 1995, o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa. Saramago foi considerado o responsável pelo efectivo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa. A 24 de Agosto de 1985 foi agraciado com o grau de Comendador da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada e a 3 de Dezembro de 1998 foi elevado a Grande-Colar da mesma Ordem, uma honra geralmente reservada apenas a Chefes de Estado.
O seu livro Ensaio sobre a Cegueira foi adaptado para o cinema e lançado em 2008, produzido no Japão, Brasil, Uruguai e Canadá, dirigido por Fernando Meirelles (realizador de O Fiel Jardineiro e Cidade de Deus). Em 2010 o realizador português António Ferreira adapta um conto retirado do livro Objecto Quase, conto esse que viria dar nome ao filme Embargo, uma produção portuguesa em co-produção com o Brasil e Espanha.
Foi galardoado com o Nobel de Literatura de 1998. Também ganhou, em 1995, o Prémio Camões, o mais importante prémio literário da língua portuguesa.
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Saramago
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O mercado pode tornar-se uma ditadura. 

A diferença (entre a ditadura e o capitalismo) é que não é a ditadura como nós conhecemos. É o que eu chamo de «capitalismo autoritário». 
A ditadura tinha cara, e nós dizíamos é aquela, ou aqueles militares, o Hitler, o Franco, o Pinochet, mas agora não tem cara. 
E como não tem cara não sabemos contra quem lutar. Não há contra quem lutar. O mercado não tem cara, só tem nome. 
Está em toda a parte e não podemos identificá-lo, dizer «és tu». 
Mesmo as pessoas que lutaram contra a ditadura, entrando na democracia acham que não têm mais que lutar. E os problemas estão todos aí. 
O mercado pode tornar-se uma ditadura.
[É o que eu chamo de «capitalismo autoritário».] O mercado pode tornar-se uma ditadura.
José Saramago, in 'O Globo (1999)' 
http://www.citador.pt/textos/o-mercado-pode-tornarse-uma-ditadura-jose-de-sousa-saramago
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Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago

18/02/2012 
Antonio Ozaí da Silva - leituras, literatura
Professor do Departamento de Ciências Sociais, 
Universidade Estadual de Maringá (UEM); 
Editor da Revista Espaço Acadêmico e Revista Urutágua

 I

“Estou cego”, afirma desesperadamente o motorista paralisado em frente ao semáforo (p. 12).* Mas o que ele “vê”, se assim se pode afirmar, não é a treva, mas uma brancura infinita. “Sim, entrou-me um mar de leite”, diz o cego (p. 14). É uma cegueira incompreensível, repentina e sem explicações. Os que vêem não podem acreditar que o cego assim se encontra. Mesmo o médico, especialista nas coisas da visão humana, não descobre a causa da doença. “Os olhos do homem parece sãos, a íris apresenta-se nítida, luminosa, a esclerótica branca, compacta como porcelana” (p. 12).

A cegueira branca é uma alegoria sobre a falta de visão social e política diante da realidade que nos circunda. Os indivíduos, alienados, encontram-se apartados do mundo, imersos na ideologia individualista e consumista. Eles vivem fora da realidade, ainda que tenham olhos não a reparam. Tudo lhes parece natural. Se a satisfação hedonista alimenta a “cegueira”, é o medo da perda e da impossibilidade de saciar-se e manter-se em “segurança” que os tornam cegos. Diante da insegurança e das incertezas, cegam-se. Talvez nos encontremos no estado de cegueira, ainda que nossos olhos vejam. “O medo cega, disse a rapariga dos óculos escuros, São palavras certas, já éramos cegos no momento em que cegamos, o medo nos cegou, o medo nos fará continuar cegos” (p. 131).

Se o medo caminha de par com a insegurança, ele também é irmão da necessidade. Os homens e mulheres estão dispostos a ceder devido ao medo, mas também porque precisam de segurança. O domínio não se explica apenas pela capacidade de coerção, mas também pela inculcação do medo. E é sob o medo e a necessidade que os cegos internados se submetem ao grupo que passa a controlar a comida. Este funciona como o governo que impõe a ordem. Os homens e mulheres parecem incapazes, por seu egoísmo e instinto de sobrevivência, de governarem-se. Eles precisam passar pelo aprendizado da solidariedade e autonomia. Mas a situação miserável em que se encontram, sob todos os aspectos, dificulta o autogoverno e parece mais fácil, e mais prudente, submeter-se. Isto ocorre devido ao estado deplorável dos cegos. Na vida real, mesmo em situações de normalidade democrática o medo é utilizado como instrumento de persuasão.

Os que conseguem manter uma certa civilidade também se mostram apegados ao governo hierárquico, buscam a autoridade que possa ordenar o caótico em que vivem. E esta se vincula ao prestígio alcançado na sociedade. É irônico que os cegos tenham no médico de olhos a possível autoridade. “O melhor seria que o senhor doutor ficasse de responsável, sempre é médico, Um médico para que serve, sem olhos nem remédio. A mulher do médico sorriu, Acho que deves aceitar, se os mais estiverem de acordo, claro está” (p. 53).

Esta mulher é a única que vê, e isto a fará sofrer com ainda maior intensidade. Só ela verá a que ponto chegamos quando nos faltam as condições para a segurança. É como se, diante dela, estivessem nus, em todos os sentidos, e a ela fosse possível ver a essência, o que realmente somos. A mulher é a que sofre porque tem a sabedoria. O conhecimento, a consciência do real, gera sofrimento. Os que sabem estão condenados a sofrer.

Será possível a autoridade numa situação de desespero, quando a existência humana está sob xeque e a espécie é reduzida à luta pela sobrevivência? Não seria o reino da necessidade o salve-se quem puder, a guerra de todos contra todos, o homem lobo do homem?

 II ... 
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“Existem nas recordações de todo homem coisas que ele só revela aos amigos. Há outras que não revela mesmo aos amigos, mas apenas a si próprio, e assim mesmo em segredo. Mas também há, finalmente, coisas que o homem tem medo de desvendar até a si próprio…” (Dostoiévski)
https://antoniozai.wordpress.com/2012/02/18/ensaio-sobre-a-cegueira-de-jose-saramago/

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