sábado, 14 de maio de 2011

A cidade em que nascí


A cidade em que nascí era plena de cores
O sol nascia avivando o verde das folhas
A ventania corria solta pelas alamedas
Verdejavam as árvores e os pássaros multicores

A cidade em que nascí era de casas abertas
Se avizinhavam tranquilas em ruas alegres
Pardais em sinfonia ao raiar de todo dia
Ficavam o leite e o pão nas manhãs dos portões

As crianças inventavam livres brinquedos
A bola subia pela fachada das vidraças
Na praça o limite do céu era das pipas
No centro do alvo a guerra dos estilingues

A cidade em que nascí o bonde ainda passava
Entre ruas estreitas com muito orvalho
Passava aberto tilintando a sineta
Revoando as folhas por entre os trilhos

Imensos casarões ladeavam as avenidas
Ostentando a herança dos cafezais
Muitas quadras eram dos cinemas
Piscando luminosos de novos filmes

A cidade em que nascí raiava o dia
Com andarilhos alegres de baile
De tanta dança cansados da noite
Tranquilos na manhã buscando o sono

A cidade em que nascí não mais existe
Ao longo do tempo as cores se perderam
De cinza e preto tingiram os pigmentos
Sem limites edificaram arranhando o céu

Se ilharam as casas pelos altos muros
Por detrás das grades observam as janelas
Transparece ao sol o apuro dos rostos
As estrelas da lua obscurecem na cinza névoa

A cidade em que nascí já não aquece
Nos corações ficaram o frio do concreto
Nas pistas de rolamento o jogo de paciência
Toda violência transbordou seu limite

A cidade em que nascí nunca dorme
De insônia crônica de submundo
Sem noites os dias vão violando
As crianças esquecidas de infância

A cidade em que nascí não mais existe
Não se reconhece pelo passado
Na cidade em que nascí não mais existo
Somos o anonimato, estranhos um para outro