terça-feira, 21 de outubro de 2014

No lume frágil de um amor


Pecado - Caetano Veloso [Carlos Bahr-Enrique Francini-Armando Pontier]
Jaques Morelenbaum-Extracto de su DVD-Un Caballero de Fina Estampa
Prometheus - Peter Paul Rubens (1577-1640)

No lume frágil de um amor

Ah! Esse mal infinito se agiganta
Crava no peito o amor perfeito
A persona ideal de juventude eterna
Trágico herói da liberdade infinita

Onde estão os meus fantasmas?
A paixão nas mãos e mentem
Guerreiros do pecado iminente
Colocam-me nas mãos do destino

De quê me serve ser o sempre jovem
Num corpo sempre envelhecendo?
Viver é o que somente me basta
Viver a insatisfação do presente

Para que tanta coragem na utopia?
Heróis entre o assustador e o doloroso
Na busca por ideais inalcançáveis
Um sonho da felicidade perfeita

Serei um dos discípulos de Delfos
Herdeiro de uma tragédia grega?
O quê farei da emancipação tão triste
Do sensível e medroso, do solitário e livre?

Sei, a vaidade passa pelos corpos
Eram jovens, foram velhos
Foram inúteis ou indispensáveis
Eram insubstituíveis ou estorvos

A imagem reflete no espelho
Num sorriso irônico desdenha:
- A cada dia sou mais eu!
- Todos morrem, "tempus pubis"

Só me resta a única certeza
A ampulheta é o sinal do tempo
Que vida é um fio de incertezas
No lume frágil de um amor

sábado, 18 de outubro de 2014

CHICO BUARQUE & MILTON NASCIMENTO - O QUE SERÁ (1976)


O que será, que será?
Que andam suspirando pelas alcovas
Que andam sussurrando em versos e trovas
Que andam combinando no breu das tocas
Que anda nas cabeças, anda nas bocas
Que andam acendendo velas nos becos
Que estão falando alto pelos botecos
E gritam nos mercados que com certeza
Está na natureza
Será, que será?
O que não tem certeza nem nunca terá
O que não tem conserto nem nunca terá
O que não tem tamanho...

O que será, que será?
Que vive nas idéias desses amantes
Que cantam os poetas mais delirantes
Que juram os profetas embriagados
Que está na romaria dos mutilados
Que está na fantasia dos infelizes
Que está no dia a dia das meretrizes
No plano dos bandidos dos desvalidos
Em todos os sentidos...

Será, que será?
O que não tem decência e nem nunca terá
O que não tem censura e nem nunca terá
O que não faz sentido...

O que será, que será?
Que todos os avisos não vão evitar
Por que todos os risos vão desafiar
Por que todos os sinos irão repicar
Por que todos os hinos irão consagrar
E todos os meninos vão desembestar
E todos os destinos irão se encontrar
E mesmo o Padre Eterno que nunca foi lá
Olhando aquele inferno vai abençoar
O que não tem governo e nem nunca terá
O que não tem vergonha e nem nunca terá
O que não tem juízo...(2x)

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Não, não há mais tempo de não amais

Chiara Civello _ Il mondo
http://www.chiaracivello.com/web/biografia

Imagem dos deuses gregos Apolo e Dionísio. Na ilustração as enfermidades da alma.

Não, não há mais tempo de não amais 

Não há mais tempo a perder
Não há tempo para o mais sofrer
Hás de ser do aqui e do agora
Nessa busca que nos desenfreia

O prazer vaza-me entre os dedos
Como a areia do meu tempo
Pelo tempo ávido da imediatez
Precisamos tanto evitar essa dor 

A minha dor precisa ser negada
É tão evidente esse sofrimento?
Onde buscarei as outras faces da fé
Se em minha face da dor desapareço?

Quiçá minha dor seja a dor do outro
De viver a punição das tuas culpas
Fugirei em ti na timidez e na vergonha
Na compulsão expressa do sofrimento

Meu caos é a banalização do mal
Sou a era da surpresa iminente
Aboli nas fronteiras do desalento
O desamor no interior intempestivo

Perdi-me do caminho da aceitação
No exterior alegre das figuras 
Estou na medida da tua existência
Na angústia da modernidade

Esse medo que deforma o corpo
Tem a forma do feio, do magro
Do gordo impossível de ser aceito
Do medo do futuro e do insucesso

Esse irremediável medo do medo
O medo impossível de aceitar a paz
Dos descaminhos do aconchego
Abismam na depressão e na violência

No domínio inútil do tempo 
Convivo no medo da liberdade
Na tirania na dor da infelicidade
No consumo do próprio consumo

A agonia entre o caos e o trauma 
O eco surdo das almas vazias
O toque frio dos replicantes
Sangro, sangramos o amor se vai

Não, não há mais tempo de não amais