domingo, 8 de dezembro de 2013

Na superfície lisa da indiferença


A moça do Sonho [Chico Buarque e Edú Lobo] por Maria Bethânia

Num sentimento de eco profundo
Percorro sem norte em superfície gélida
Meu tempo é do contratempo
Nele habita o desamor do mundo

Mora em mim o homem vazio
Se paro e reflito, afundo e congelo
Meu tempo tem o tempo do vão
Percorre na lâmina o corte frio

Não há tempo de sentir a falta de mim
Meu pobre tempo nem tempo tem
De mais tempo para a ignorância fértil
Sobrevive na escassez do próprio fim

Recrio a tristeza nas próprias dores
Descrentes, somos o medo de ser feliz
Meu tempo é de um sobretempo
Não consegue amanhecer os amores

A viva inércia do conhecimento redutor
Ressoa na solidão silenciosa de ser livre
Reconstrói o corpo num deus de plenitude
Incessante novo sem tempo de ser amor

A nudez num espaço sem sentido
Sobrevive da vigila dos laços frouxos
Meu tempo é de rasos desejos
É a palavra no consumo emudecido

Obscureço o real em outros gostos
A insaciável mudança da existência
Meu tempo desconstrói o sagrado
Clarifica-se em profanos rostos

Guardo-me no espelho de narciso
Sou o apocalipse e a temida medusa
Não me faço dos olhos dos outros
No tempo vivo sou o impreciso

No encontro de outra sobrevivência
Meu tempo será a condição do outro
Será a identidade aberta e solidária
Na pulsação replicante da convivência

No recomeço que uma vida revela
Num deus real de um novo paradigma
Na face aberta pela condição do outro
O tempo será daquele que o sujeito zela

Se o meu tempo criou o tormento
Se tudo confinas à indiferença
Se só reconheces na condição humana
Os horizontes breves de cada momento

Na flor de plástico um eternizar
Sou todo o sólido que se desfaz
No abandono dos próprios sentidos
Sou o medo coletivo de amar