domingo, 12 de maio de 2013

O corpo que me confesso


Mônica Salmaso - Valsinha [Chico Buarque]

A lua calada te espia
Pelas frestas da janela
No vidro imóvel que resfria
A chuva respinga em aguarela

O beijo que se fingiu presente
Na boca sem resistir a espera
Olhando o teu corpo ausente
O suspirar ansioso se desespera

Na solidão do teu olhar semeio
O beijo da sua boca ausente
Nas curvas da pele que anseio
Espantar a saudade onipotente

Afugentas de mim os demônios
Que atormentam o meu sonho
Comemoram os pandemônios
No adiado desejo que oponho

Deixas beber em teu olhar
A espera de um só lampejo
O suspirar lascivo de amar
No tremulo sabor que almejo

Nos teus olhos o escurecer
Dos lábios o percorrer na pele
Na flor que afago ruborecer
Tuas mãos o agarrar compele

Abrasa o contorno do teu rosto
Na minha pele teu nome tatuas
Dos entreabertos lábios o gosto
No infinito gozo de todas as luas

Acalenta o meu desejo de amar
Na transparência do teu peito
Mergulhas e se faz desaguar
A tua ternura em nosso leito

És a palavra que me condiz
O amor que me regresso
A água que me bendiz
O corpo que me confesso

sábado, 11 de maio de 2013

Ficou no tempo


Chico Buarque - Porque Era Ela, Porque Era Eu (Carioca Ao Vivo) [CC]


Da areia aos analógicos
O tempo passou
Nos relógios ilógicos

O vento passou
Passei no eu
O nós passou

Queria ter mais razão
Talvez...
Tapar a luz do clarão

O amor das muitas luas
Sem que voce me note
Se perdeu pelas ruas

Despiu-se do vento
Ficou comigo nua
E se foi com o tempo

Foi-se feito verão
Jogo no ato fatal
Meu coração no chão

O tempo parou
A areia findou
O amor se foi

Nas palavras poucas
No acalentar das almas
Das nossas vozes roucas

Era tão pouco o ensejo
Restou só na boca
A pretensão do beijo

domingo, 5 de maio de 2013

Um amor nasce do caos



João Bosco - Desenho de Giz


O tempo...
Avança sobre os ponteiros
Na eterna lua de alabastro
Que atravessa a noite
Como um grito de sol

As palavras suspensas no vento
Caem da torre feito folhas
Num sombrear meticuloso
No escolher as cabeças

Revelam a palidez do mar
Flutuam nos fragmentos das almas
Nas memórias perdidas
Nas palavras ocas
No ecoar do delírio sonhado
No mistério

O amor voa num meteoro
Num raio de luz
Nas almas em cruz
Nascidas na ira de Deus

Numa nebulosa metamorfose
Homens tornando felinos
Mulheres virando peçonhas
Uma sucessão de semideuses
Na inconstante palavra metamórfica
As mãos do ódio esgana o amor
No transformar de pessoa em pessoa

Entrelaça o pescoço do ódio
A híbrida relação rarefeita
A morte traz a franqueza do caos
No renovar dos velhos conceitos

O escuro amor contínuo
No solitário, no incompreensível
No cego, no perdido de amor
No coração o medo asfixiado
Num impossível morrer

Reinventar à vida
Um amor em ondas
Que abraçam as pedras
Rasgam as folhas
Com as mãos do vento
Rufando tambores
Amanhã eu fico triste
Hoje não
Hoje um amor nasce do caos

O tempo...
Recolhe as horas de vida
Mundo sem sol
Num mar sem sal
Dos pedaços de amor
Das despoesias