sábado, 12 de outubro de 2013

Para morrer de um poema qualquer


Tema para Ana - T. Jobim por R. Sakamoto & J. Morelenbaum

A imagem do espelho me desconhece
Vejo-me no velho abstrato
No desbotado das tintas de uma imagem
A vida tem o lume do imaginário

D'um corpo em tempo de formas vagas
Vivi de paixões sedentas de fogo e sombra
Num desejo de absoluto silêncio profano
Inscrevi-me no tempo da palavra eterna

Para morrer de um poema qualquer
Enxuguei o suor do vento com as cores do tempo
Com uma visão de um olho frio
Vi o silêncio das águas

Andei o caminho das pedras cansadas
Nas sombras dormi as margens de um rio
Esperei o segredo para envelhecer-me de ser mar
Pensei os embranquecidos cabelos

Guardei a memória das proibidas palavras
Com o mistério encobri todas as paixões
Não habito a casa e nenhum estar
Sou o silêncio do tempo que passa pelas cidades

Na noite dos deuses


Chanson pour Michelle - T. Jobim por Ryuichi Sakamoto

Um grito atravessa a noite surpresa
A indiferença acaricia o escaravelho      
Em contínua caminhada se prolonga
Rola o seu tempo em seu mistério

Para que os mortos descansem
O motivo da morte
E possam morrer em paz

O tempo desfolha da inocência
Tormentos de um desejo imortal
Instantes que assombram um céu
Das últimas desesperanças

Assistem as vaidades que em mim respiram
Digeridas na ilusão das migalhas
Caídas da estreita mesa da sobrevivência

Renovo o tempo em que me invento
Renasço das cinzas num vazio de nada
O vazio que ressoa da alma em que me principio
No sentido da vida que se faz diante da morte

Nasço da fé dos deuses e do vento
Em descrenças de um feliz viver
Numa felicidade que nasça por mim

Invento a fé no distrair do tempo
Recrio-me na brancura da própria idéia
Incendeio-me à deriva dos risos soltos
Na louca beirada de cinzentas montanhas

Das minhas profundas guerras a sós
Numa língua danço as palavras no fogo  
Tal qual monólogo de algum desperto

Um medo implacável de me habitar
No impossível querer morrer
Sem a canção de festa, o bater de braços
Sem a fé cega de escuro, um amor perdido do amor

O luar insinuando luas de palavras suspensas
Palidez rarefeita dos meus delírios sonhados
Nas incessantes metamorfoses de libertação

Aborto o deserto de um quase alvorecer  
Bailo a dança noturna dos deuses
Uma criança cantalora na árvore do silêncio
E balança na palavra em que não existo

Nada se cria, apenas respira e recomeça
Numa inocência aberta de uma fonte de água fria
Renasço de um útero estéril de amanhã