sexta-feira, 26 de abril de 2013

A tua lembrança


Wulombe (mel) : Stewart Sukuma & Elisah - Álbum: Nkhuvu -Maputo - Moçambique

A solidão sobe as escadas
Em passos mudos da memória ao sótão
Na velha caixa das tuas lembranças
O repentino olhar da flor silenciosa

O silêncio em súbita levitação se cala
Na lembrança que percorre o tempo
No escuro sonâmbulo da casa
Atravessas a tua imagem no espelho

Num sobe desce nos degraus da vida
Talvez essa lembrança seja a nossa
Na caixa dos céus a mensagem recebida
O aroma que perfuma o olhar despercebido

Pensando em nós a dor do tempo
Resmungando as pétalas perdidas
No sonho que parou de sonhar a vida
Tão emudecida seja um eco no pensamento

As lembranças sonâmbulas devoram o tempo
O que mais gostam é do meu silêncio eterno
Este teu silêncio que escrevo na outra sala
Por detrás do espelho em que tu me lês

A vida escreve o mistério de mais um dia
Na flor ressecada um riso solto
No coração escurece a chama triste
Na entrelinha que anoitece e por ti morre

Se a memória voasse pouso a pouso
Te anoitecendo além de mim
Soubesse sem despertar a noite
E meu escuro esquecimento fosse o fim   

A tua lembrança atrás dos véus
Ampara a desesperançada carta
Onde a lembrança jaz sepultada
Com a flor ressequida no tempo

As flores do campo, aos milhares delas
Cada dia no desabrochar uma lembrança
São esperanças, ao brilhares por elas
Tremulando o amor que te anoiteço

domingo, 21 de abril de 2013

No escurecer da luz do beijo



Monica Salmaso - Noite [Nelson Ayres]


A noite acende os vaga-lumes
Chove o cinza cansado de nuvem
Os pingos tortos desenham as árvores
Molhando de verde o cheiro do mato

As palavras que colho não sabem morrer
Na pele do teu corpo ainda suam

Ofusca os lumes o brilho da bela
As curvas sensuais vestidas de lua
Tua súbita vida, paralisa e gela,
Na janela o medo no farejar do vento

Indaga-me, sobre a cama, o amor que resiste
No teu corpo um adeus que nunca houve

Das seduções as formas da flor
Os segredos inatos no guardar a vida
Tão secretos como o velho mundo
Faz-se, tão bela e nua, a vida no desejo

O alento embriaga a sede de amar
O instante da saudade descompassada  

Colhes do rosto o sorriso esquecido
Dos anjos o despertar do tempo
Traz o tremor que temeu a luz
O primeiro instante do beijo

A gota ainda sangra a lucidez e a loucura
O insaciável desejo do entrelaçar dos corpos

O olhar soprou aos meus ouvidos
No espreguiçar noturno das cidades
Dorme o perfume nos teus cabelos
O desejo que mora nos teus sonhos

A ausência sopra no pensar alturas
O teu chão que falta nos meus penhascos

Da vida basta um dia de existência
Do tempo um só momento de abraços
No escurecer as luzes no beijo
Na única sombra de dois corpos

Esquece o poeta, os versos escritos
à sombra das árvores
O amor sonha navios

sexta-feira, 19 de abril de 2013

O fruto proibido


   
Bau - Fruto Proíbido - Composer Amandio Cabral - Cabo verde


O outono não desperta as manhãs
Nem as árvores o vento nos ninhos
A preguiça noturna ainda canta
O sonho anoitecido dos passarinhos

Por vezes, a vida passa depressa
Num corredor abandonado
O silêncio em solidão desesperado
Ecoa em silêncio para tentar ouvir-se

Se venho colher das palavras
No amor que um dia me criastes
Do passado que enferruja o tempo
Nos relógios o dourado das lavras

Fiz do pranto o confidente leal
No teu colo fiel de me aconchegar
A vontade de reler velhas cartas
Num envelope a vontade de amar

O pássaro pousou nas palavras
Meu cansaço triste no arfar das asas
Da tua imagem que seduz meu corpo
O vazio do fruto ausente nas cascas

Morro num rio de águas noturnas
Murmurando o amor silencioso
Das margens o erosar angustioso
Na paixão contida de ser mar

Se me guardo o teu reflexo nas águas
Semeio contigo às lembranças renascido
Das flores sem o despetalar das mágoas
Na boca o sabor doce do fruto proibido

quinta-feira, 18 de abril de 2013



tribut a manuel d'novas - Baú : Zé Paris, Amilcar Chantre, Vasco Martins
Bau: Solo Guitar, Cavaquinho and Violin; Zé Paris: Bass Guitar;
Amilcar Chantre: Percussion;Vasco Martins: Keyboards,
Arrangements and Production. Cabo Verde.

terça-feira, 16 de abril de 2013

A vida é um eterno momento



Contigo a la Distancia - Christina Aguilera

A vida é um vento morno
Um intento contente de ser
Num passar despercebido
Como um clarão no dia morto
Num descontente anoitecer

No espaço do amor desordenado
Na madrugada fui íntimo da noite
No meu terminado ser do passado
Na voz do silêncio nas aves
Para ouvir o sonho das virgens

A vida é o desejo de viagem
No eterno entre a luz e a vida
No meu balançar da folhagem
Como o adeus do teu gesto
Que existe no meu adeus

Nas estrelas o brilho ausente restava
A minha face sem a tua face
A misteriosa essência dos abandonos
Da minha carne sem a tua carne
O mesmo sangue que em nós circulava

A vida é um brilho presente 
Foi uma estrela intensa
Como a tua luz cadente
Como um desejo de noite
Da tua voz rouca na minha voz 

Teus dedos entrelaçarão outros dedos
Na tua fala amorosa em outra face
Tuas pernas enlaçando outros desejos
Na dormida brasa o acender das chamas
Tangidas pela ressurreição dos anjos

A vida é um amar de repente
O querer da fé dos desesperados
Um beber a sede na gota de orvalho
Um desabrochar no íntimo da noite
Num transbordar de carícias nas bocas

Os lábios que ardem nos beijos
O brilho no cerrar das pálpebras
Entrega os ideais n'outros desejos
Tuas pernas de sol se enlaçam
Nas pernas de outros carinhos

A vida é um eterno momento
Num voo breve e num pousar
De um destino para outro lugar
Por mais que declino e resisto
O amor pousa n'outro voar

Sou quem ama e inventa os sonhos
Na distância sonhada das coisas que amavas
No palpitar da ruinaria de ter sobrevivido
Nem sabes o bem que fez o amor distante
De súbito pensara ser o teu sonho vivido

A vida é um desatar de nós
O desabrochar de mil pétalas ao vento
As lembranças que não eram nossas
Das mensagens perdidas em nós
Na memória das flores silenciosas

Em silêncio escuto a voz da dor
Nada poderei dar senão o desejo
A essência dos poderes do amor
Crio o desamor na distância
No tempo que a gente inventa

A vida é um pecado intenso de adeus
Uns partem num purificar de almas
Outros gostam do silêncio de amar
Como a saudade que parou no tempo
Num eterno levar de poemas a Deus

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Enquanto ainda fores



Procol Harum - A Whiter Shade of Pale, live in Denmark 2006

Enquanto ainda fores
Voes...
Para que as folhas
Sejam as tuas asas

Se das dúvidas nasce a descoberta
Faço contigo a tua ausência duvidosa
No cochilo do tempo da vida,
E, por vezes,
O tempo da vida cochila em mim

Não ser a inconsequência
Do ano em que morri
Subtraidamente
Do ano em que nasci

No ápice do contratempo
Se das palavras soltas no espaço
Nascem as interrogações das estrelas
Se te descubro no nascer das dúvidas
O que farei de mim?

Serei o continuo gene
Que traça a obra inacabada
Modestamente continuada
Numa escrita quase perfeita

Se no corpo o colher as palavras que escorrem
No deslizar da pele nos teus suores
As frases afoitas desvendam os sabores
A cada descoberta a nova palavra

Não me perderei nas ruelas
Da praça do poema perfeito
Nas amarras dos verbetes
No cachorro invisível

Um novo segredo dos teus amores
No acender das chamas nas entrelinhas
Fez-te a mulher amada à penumbra da noite
Sob o teu repouso a libido se cala

Serás o clima que me escolhe
O tamanho do meu cobertor
Daquela palavra exata
Que o nó da garganta desata

Mesmo que o sim
Seja talvez insistência
Faço-te meu novo fim
Na palavra que recomeço

Diante da tua beleza deitada
Sobre enluarada pele fraseada
O verso que te desnudo
Respira-me profundo a palavra

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Se todas fossem Cecília



Wurttembergisches Kammerorchester Heilbronn - A Piazzolla - Las estaciones -Otono porteno -Violín Arabella Steinbacher


Teu pensamento ficou no tempo
Renovado a cada sensação descrita
Como se fora hoje em todas as cores

Tua inspiração renasce como as flores
Aquelas que do jardim não foram colhidas
E em seus versos exalam o teu perfume

Trazes em tuas mãos a transparente alma
Aos muitos olhos que não vistes
Almas que não acreditaram que tu existes

"Teu bom pensamento longínquo me emociona"
Torna-me menos ignorante de tudo que és
Mas resigno-me do todo que te eterniza

Teu ensinamento continua pelo tempo
Entre as palavras escolhidas com maestria
A cada descrição perfeita humildemente diria

"O vento do teu espírito soprou sobre a vida
E tudo que me era efêmero se desfez
E ficaste só tu, que és eterna..."

Teu canto existe a cada instante
E a tua poesia está completa
"Não sou alegre, nem sou triste",
Tu és eternamente poeta.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

A dança das sombras


The Dance of Shadows (Hanami - Butoh dance) Este vídeo mostra cenas do filme alemão "Cherry Blossoms - Hanami", um poema bonito e delicado sobre o luto.
"Todo mundo tem sombras dentro.  Apenas mantenha-os...  mantê-los..."

No chão que me petrifico
Do ar que me faço nuvens
Na montanha que me rarefaz
Da árvore que me transplanto

No voo em que nasço pássaros
Dos muros inertes, o olhar das ruas
Das vidas que giram o mundo
Gira mundo das muitas sombras

Faz-se a luz nessa perfeita geometria
Teimo em refletir meus sentimentos
Acima e abaixo do solo em que germino
No nascer das sombras em própria vida

Num gesto suavemente sublime
No compasso dos contratempos
Dançam as sombras vivas
Renascidas de uma minguante lua

O que me torno em todos os entes
Velhas sombras dantes que os homens
Atentas aos movimentos de todos os sóis
Que fazem vivas as sombras dos mortos

Nos gestos ecoa a voz da música
No bailado de todas as sombras
Rompem no tempo a dor ausente
No diálogo da dança das sombras

Na música que nos eleva ao tempo
Nos passos que nos faz dança
Renascemos acima da vida
Nas almas que unem às sombras

Do passado que um dia existimos
No meu presente que inexistes
Do meu futuro anonimato
No tempo das sombras existiremos

Sombras de todo futuro e passado
Desde a criação de todo universo
Dos corpos que retornaram ao chão
Dancemos as sombras nas luzes eternas

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Onde desenho a lembrança



Jimmy DluDlu - Walk Of Life - Zavala - Moçambique
Nasceu em, Moçambique, entrou na música nos anos 70, nos princípios dos anos 80, imitando as músicas do Wazimbo, o seu ídolo com sonho de ser músico profissional, deixou o país nos princípios da década para Swazilândia, Botswana e depois para África do Sul, onde fez a licenciatura em música , ganhou a fama com seus álbuns "echoes from the past" editado em 1997 e "essence of rhythm" editado em Junho de 1999 .


Os passos de um dia qualquer
Perderam-se de noite na lua
A súbita flor que tomba
Na alma entristecida de céu

O amor noturno caminha no ontem
Nas ruas do teu silêncio
Onde desenho a tua lembrança
No caminho se fez eterno

O sonho que me devora
Num canto escuro da alma
O pensamento que cai da pétala
Do vestido florido de memórias

Inquietas razões da insônia
Ecoam os ruídos no sótão
São lembranças no bater das asas
No voo solitário do não sofrer

Impuro tempo bebido de outono
A emoção que a vidraça abafa
As tuas canções enlaçam a carícia
Ao gozo incerto no contratempo

Este amor dentro do drama
Recria o que ainda existe
De real amor imaginário
No céu entristecido da alma

Só quando o teu macio da pele
Deslizar no leito que desperto
Dormes o amor em meu sono
O sonho de um rio que dorme o mar