quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Indecifrável Saudade

 

Apagar a imagem de alguém
Aquém perdida no tempo
Desaparecer do eu parado no vento
Do amor que ficou sem ar

Esquecer a alma do corpo inerte
Fechando o sorriso acanhado
Colorir a tua pele esmaecida
Levantando-te dessa pedra fria

Anestesiar a dor da ausência
Festejando essa mágoa solitatis*
Quebrar os ponteiros do relógio
Inventando a máquina do tempo

Misturar todos os sentimentos
Sendo o teu “achados e perdidos”
Recolher na trena todas as distâncias
Cobrindo com pontes todos os oceanos

Doar-te meu coração e transplantar-me o teu
Habitando-te em momentos infindos
Eternizando-me em teu corpo fatum*
Ser o teu porto seguro da nostalgia

Queimar todas as iguarias e temperos
Rasgando todas as tuas receitas
Tornar-me adstringente no amargo, no azedo
Jejuando-me de todas as tuas guloseimas

Inexistir o perto, o longe e o ausente
Segurando no dique todas as correntezas
Paralizar as órbitas dos planetas
Iluminando todos os meus subterrâneos

Conviver com todas as secas
Aterrando os olhos d'água
Salgar permanente todas as represas
Estimulando a sede na insalubridade

Exaurir o sentimento de poder
Enaltecendo o feio e o horroroso
No fracassado duelo com a soedade*
Declinando o teu sopro de vida

Abnegar-me de toda coragem
Tornando-me refém nessa batalha infinda
Num sentimento de diferentes vestes
Ora tecido de soidade*, ora de suidade*

Torpeçar na solitude cega no terreno
Abandonando a mais difícil tradução
Denunciando na incontrolável poética
O indecifrável desejo de “matar a saudade”

No armário de roupas restou teu perfume
Num vestido colorido de pequenas flores
Abraçando uma jaqueta anil desbotada
As diferentes cores ora tecidos pela saudade

(NA)* Saudade na forma arcaica:  "soedade, soidade e suidade"
          *Do latim  solitatis*  solidão, fatum* fado